A Rainha do Varejo
No comando da quarta maior rede de lojas do país, a empresária ensina que o importante é vender certo para a pessoa certa – e receber em dia
Que ninguém se engane com o sotaque interiorano, os modos afáveis de comadre, o jeito simples de falar sobre assuntos complexos. Luiza Helena Trajano, herdeira e comandante da rede que começou modestamente como Magazine Luiza, sabe fazer negócios como gente grande. Tanto que não tem nada a aprender com as feras da administração – ao contrário, tem a ensinar. Rainha do varejo, descobriu uma vocação relativamente tardia de palestrante. "Gente, se eu atendesse a todos os pedidos de palestra que recebo, uns 100 por mês, não ia ter nada novo para falar", brinca Luiza. Quando a empresária de pouco mais de 1,50 metro de altura termina de relatar o que fez para que a rede de lojas populares de sua família se transformasse num fenômeno empresarial – 254 lojas, sendo 44 virtuais, e 5 milhões de clientes –, costuma ser aplaudida de pé. Aos 53 anos, casada com o empresário Erasmo Rodrigues, do ramo de postos de gasolina ("Meu marido não compete comigo", comemora), três filhos e dois diplomas universitários (direito e administração), ela assumiu há catorze anos o comando da rede fundada por seus tios, em 1957, em Franca (SP), onde mora até hoje. Aqui, abre a alma de vendedora.
Veja – Por que os vendedores tradicionalmente têm uma reputação nada positiva?
Luiza Helena – Em geral, só vira vendedor quem não conseguiu nenhum outro emprego. A profissão tem uma imagem pejorativa, de gente desonesta, que tapeia os outros. Mas venho de uma família de vendedores que têm orgulho da profissão. Cresci ouvindo a tia Luiza, a fundadora do Magazine Luiza, dizer: "Se o cliente achou que está errado, devolva o dinheiro. Não venda aquilo que ele não gosta". Eu, por exemplo, sempre digo que sou muito boa vendedora e que o resto é conseqüência. Quem é vendedor nunca passa fome.
Veja os engenheiros que vão vender cachorro-quente quando perdem o emprego. Comecei aos 12 anos, porque gostava muito de presentear as pessoas. As mães costumam dizer que os filhos não devem gastar, mas a minha falava: "Quer gastar, vá ganhar". E assim comecei a trabalhar, para poder dar presente de Natal.
Veja – Qual o segredo para vender bem?
Luiza Helena – No Brasil, o melhor vendedor é o que sabe se adaptar a papéis diferentes. Muitas vezes, o cliente entra na loja sem saber exatamente o que quer comprar. Sabe que deseja uma televisão ou uma geladeira, mas não sabe de que modelo nem qual é o plano de pagamento mais adequado ao seu orçamento. O bom vendedor é um pouco educador e psicólogo. Se conseguir ajudar o cliente a comprar o que quer e pode pagar, ganha um consumidor fiel.
Veja – Como a senhora transmite esses conceitos a seus funcionários?
Luiza Helena – Primeiro, valorizando, dando recursos, bolsas de estudos, plano de carreira. Uma coisa que ajudou muito foi o fato de, durante anos, ninguém na empresa ter cargo impresso no cartão de visita. Eu, os gerentes, os diretores, éramos todos vendedores. Até hoje, para chegar a executivo, o funcionário tem de passar um período como vendedor. Investimos na educação e no status dos vendedores. Acredito que é possível fazer com que a empresa ganhe dinheiro e os funcionários sejam felizes. Entendo que uma motivação só será duradoura se atingir cabeça, bolso e coração dos funcionários. Desejamos que nossos vendedores virem especialistas em gente. Para trabalhar no Magazine Luiza, é preciso ter espírito empreendedor. Quem gosta de ter um salário fixo todo mês não é bom para nós.
Veja – No seu ramo, em geral, a remuneração do vendedor é atrelada às vendas. No Magazine Luiza é aos resultados. Qual a diferença?
Luiza Helena – Nas empresas de varejo a política normal é todo mundo ganhar sobre vendas. Mas eu achava isso terrível, porque as pessoas só desenvolviam a capacidade de vender a qualquer custo. Nosso vendedor ganha sobre o lucro do produto, sobre o volume de venda e também sobre o recebimento da carteira que ele vendeu a prazo. Com isso, nossos funcionários tiveram de adquirir mais conhecimento intelectual e técnico. A habilidade de falar e de vender, sozinha, não basta.
Veja – Como isso se reflete no salário dos vendedores?
Luiza Helena – No dos verdadeiramente competentes, aumenta muito. E os que cuidaram só das vendas, sem acompanhamento anterior ou posterior, logo percebem que precisam se esforçar. Além disso, na nossa empresa cerca de 20% do salário total do funcionário está atrelado ao resultado global. Sendo assim, os que ganham mais se interessam por ensinar aos outros. Se as vendas forem poucas, toda a loja perde. É tudo amarrado.
Veja – Nas suas palestras, a senhora defende a idéia de que o importante é "pensar como rico". Como é isso?
Luiza Helena – Costumo dizer que não se pode pensar pobre, porque não dá resultado, nem agir rico, porque é caro e pode terminar em grandes dívidas. Agora, pensar rico não envolve custos. Outro dia encomendei um projeto para a construção de uma loja e veio aquela coisa mixa, sem graça. Falei para os arquitetos: "Vocês não sabem fazer nada de novo, diferente e criativo?". Eles refizeram o projeto e ficou lindo. Aí, eu disse: "Agora, vamos adaptar essa beleza de projeto ao orçamento que tenho para realizá-lo". Tem gente que coloca uma equipe para criar algo e diz que não pode sair nada caro. Ora, aquele momento é de pensar, não de gastar.
Veja – É possível melhorar a qualidade, em geral sofrível, dos produtos dirigidos a uma clientela de menor poder aquisitivo?
Luiza Helena – As pessoas vêem móveis bonitos na novela e querem comprar um igual. Nossa função é criar coisas bonitas que os pobres possam pagar. Nós sempre buscamos alternativas, inclusive com a criação, em 1992, das lojas virtuais vendendo por TV, vídeo e, agora, por computador. Começamos vendendo em cidades muito pequenas, para as classes C e D. Hoje, muita gente que me criticou pede desculpa. As 44 lojas virtuais que temos são responsáveis por 10% do faturamento da empresa. Na época, todo mundo achava que eu era louca, não havia nem internet no Brasil. Até tentei patentear a idéia, mas não consegui. As quatro lojas que acabamos de abrir em São Paulo estão em ruas de comércio bem simples e se destacam por serem bonitas, com ar condicionado, agradáveis. Queremos despertar o "mereço essa loja" nos moradores.
Veja – A senhora costuma dizer que o vendedor deve se tornar "amigo" do comprador. Não é uma relação falsa, visto que tudo o que o vendedor quer mesmo é vender?
Luiza Helena – Não, se o vendedor tiver uma visão certa de como tornar um cliente fiel. O bom vendedor não deixa um operário comprar o que ele não pode pagar. Esclarece primeiro as opções que existem e sugere termos de pagamento. No encontro de campeões de vendas do Magazine, pergunto o que cada um fez para se destacar. A maioria responde que ligou para o cliente para perguntar se ele estava satisfeito com o produto comprado. E também para dar os parabéns no dia do aniversário.
Veja – Quem são os melhores e os piores clientes?
Luiza Helena – Não tem isso. Fico preocupada é com os clientes que simplesmente param de comprar e não reclamam. Os que reclamam são ótimos, porque contribuem para melhorar o atendimento.
Veja – E os que não pagam as prestações?
Luiza Helena – Esses não são clientes. São golpistas. Agora, o cliente que não paga porque está desempregado e com problemas merece atenção. A gente tenta negociar. Mas pode ser perigoso se for em grande volume.
Veja – Onde e por que, fora os motivos óbvios, a inadimplência é mais grave?
Luiza Helena – Inadimplência é igual cupim, que vai comendo o móvel e, quando você percebe, não dá mais para recuperar. Como o lucro no varejo é pequeno, a inadimplência elevada come dois, três anos de lucro. Você não percebe de cara que ela está aumentando. Ela é mais grave nas vendas com prazos mais longos. Acho que o desemprego é responsável por cerca de 70% da inadimplência; 20% são por descontrole no orçamento e 10% por outras coisas, como doença. O Magazine Luiza tem uma inadimplência baixa, porque o vendedor é responsável pela compra até o final e deixa de ganhar em participação nos resultados quando o cliente não paga. Assim, ele se preocupa em verificar bem os cadastros e avisa o pessoal do crédito quando não está seguro das condições financeiras de um comprador. Além disso, temos uma equipe própria encarregada de aprovar as vendas a crédito e de fazer a cobrança. Nas vendas com 180 dias, nossa inadimplência é de 4%, cerca de 30% abaixo da do mercado.
Veja – A senhora estuda as teorias propostas pelos gurus da administração?
Luiza Helena – Quando começamos o trabalho de modernização administrativa, em 1991, observamos com atenção o que estava mudando nas premissas básicas da administração. Nossa meta era velocidade, qualidade e rentabilidade. Não havia como ter velocidade sem descentralizar, e foi o que fizemos. Mas nunca seguimos uma linha, nem entramos na onda da reengenharia. Quando chegava um aviso de que precisávamos demitir, chamávamos o grupo e dizíamos que era preciso vender 10% a mais para não cortar. Afinal, quando eu desemprego uma pessoa, estou atrapalhando meu próprio negócio. Há seis anos, adorei o que disse o Tom Peters (um guru americano) sobre o fato de que as pessoas precisam fazer a sua marca, da mesma forma que as empresas. Dessa sugestão nasceram nossos outdoors com os melhores vendedores e gerentes. Incentivamos os funcionários a dizer que são bons. Meu filho costuma afirmar que eu sou muito marqueteira de mim mesma.
Veja – E é?
Luiza Helena – Acho que sim. Mas também falo das coisas em que não sou boa. Quando estou insegura, assumo.
Veja – Além do Tom Peters, a senhora admira algum outro especialista em gestão?
Luiza Helena – Gosto do austríaco Peter Drucker quando ele diz "faça perguntas". Mas procuro aprender com todos. O que não sou muito a favor é de implantar a teoria do jeito que vem. Gosto de adaptar e, para fazer isso, busco sugestões internas.
Veja – E os exageros teóricos?
Luiza Helena – É, tem muito modismo. Em 1995, diziam que as empresas deviam se especializar. No nosso caso, fomos aconselhados a abrir mão de móveis e brinquedos e nos concentrar só em eletrodomésticos. Se eu tivesse entrado naquela onda, como seria? Teve outra moda de que as empresas deveriam investir nas vendas de longo prazo. Não entramos. Ficamos com até quinze meses. Muita empresa que adotou até 36 meses saiu do mercado. Perdemos no curto prazo, mas nossa inadimplência foi menor.
Veja – Que conselhos a senhora daria a quem está abrindo um negócio agora?
Luiza Helena – Qualquer empresa, pequena, média ou grande, pode sair do mercado se não souber controlar o fluxo de caixa. Tem de ser pessimista e jogar com a hipótese de não receber integralmente a carteira. Falta de lucro até dá para segurar, mas descontrole no fluxo de caixa é fatal. Fluxo de caixa não é um bicho-de-sete-cabeças. Você precisa ver o que tem para pagar, o que tem para receber e o que projeta vender. Tem de prever a hipótese de não receber e de não vender o esperado e só assumir compromissos dentro disso. Se o fluxo de caixa estiver descontrolado, quanto mais você vende, mais perigoso é. Cliente, funcionário e fluxo de caixa são o pedestal da empresa.
Veja – Por quê?
Luiza Helena – Quando as vendas estão boas, a tendência é comprar estoque. E, quanto mais você comprar, mais terá para pagar.
Veja – A senhora costuma reclamar muito para seu amigo, o ministro Antonio Palocci?
Luiza Helena – Eu queria ter um pouquinho do equilíbrio emocional do Palocci. Ele tem velocidade interna zero, o que ajudou muito. Num primeiro momento, precisavam mostrar que não tomariam nenhuma atitude que fosse mexer com essa engrenagem mundial.
Veja – Depois?
Luiza Helena – Não acho justo segurar a inflação só no consumo. Fico muito triste toda vez que sobe a taxa de juro, não como empresária, mas como brasileira, porque o reflexo acontece dois meses depois. O ritmo econômico desacelera e o desemprego aumenta.
Veja – Sua rede não parece nada desacelerada.
Luiza Helena – Se os juros fossem mais baixos, teríamos hoje 600 lojas.
Veja – A senhora fica brava quando os concorrentes copiam suas idéias?
Luiza Helena – Não acho bom. Eu também imito, claro, mas, quando copio alguma coisa dos outros, não fica igualzinho. O nosso slogan "Só amanhã" é copiado até no jeito de escrever!
Veja – A senhora é sempre elogiada e citada como exemplo da empresária bem-sucedida. Corre o risco de ter o ego descontrolado?
Luiza Helena – Olha, quando estou começando a ficar me achando a tal, alguma coisa puxa meu tapete e me traz de volta à realidade. Eu gosto de pessoas e de realizar os sonhos das pessoas. Muita gente é contra o consumo. Mas sem consumo, gente, não tem emprego.
Fonte: REVISTA VEJA
Autor(a): Sandra Brasil
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