O professor e consultor indiano Rajeshwar Upadhyaya, de 43 anos, especializado na área de liderança, é uma das principais estrelas da Indian School of Business (ISB), a mais dinâmica escola de negócios da Índia, localizada em Hyderabad, na região central do país. Responsável pelo curso “Lições de Liderança na Literatura Universal”, Upadhyaya leva os alunos a uma viagem fantástica por grandes obras literárias, como a Odisséia, de Homero, Hamlet, de Shakespeare, e Dom Quixote, de Miguel de Cervantes. Nisso difere da maioria de seus colegas, que preferem explorar em suas aulas casos de grandes empresários e executivos, como o festejado Jack Welch, ex-presidente da GE. “A História e a Literatura estão repletas de casos que nos dão uma perspectiva mais ampla para entender as nuances da liderança”, diz.
Como a literatura pode contribuir para a formação de líderes?
Rajeshwar Upadhyaya – A pedagogia dos cursos de liderança é muito influenciada pelos livros de negócios. Isso estreita o processo de aprendizado. A História e a Literatura estão repletas de casos que nos dão uma perspectiva mais ampla para entender as nuances da liderança. Não é mera coincidência o fato de os romanos – os primeiros grandes colonizadores da História – terem documentado suas estratégias de conquista. Graças a isso, os ingleses puderam usá-las depois para colonizar e administrar com sucesso a Índia por quase 200 anos. Os ingleses conheciam muito bem os clássicos da Literatura. O conhecimento de líderes e de lideranças através de 3 mil anos de Literatura nos ajuda a aprofundar nossa experiência coletiva e a clarear nossos pensamentos.
De que forma exatamente a Literatura Clássica pode ajudar a superar os desafios que os empresários e executivos enfrentam hoje?
Upadhyaya – A Literatura Clássica é a essência da experiência humana coletiva. Com freqüência, ela nos dá uma idéia que ajuda a entender o significado do que está acontecendo. A Literatura Clássica desafia a sabedoria convencional e reforça princípios atemporais. Cada um de nós descobre por si mesmo, a cada passagem, o princípio moral que envolve uma história. O leitor é forçado a fazer perguntas que mexem com a linearidade e a formalidade do processo de aprendizado. Essa viagem intelectual nos leva a uma introspecção de qualidade – um aspecto essencial que a Literatura adotada nas escolas de Administração não costuma oferecer.
O senhor poderia dar um exemplo prático?
Upadhyaya – Ulisses (o rei de Ítaca, na Grécia Antiga, e o herói da Odisséia, o poema épico de Homero) nos mostra que a liderança é traiçoeira, ilusória, decepcionante e enganadora. Negar Ulisses é negar a existência do mercado em toda a sua brutalidade. Já Rama (um dos heróis do épico Ramayana, que teria sido escrito pelo sábio indiano Valmiki entre 500 a.C. e 100 a.C.) desafia as premissas inerentes às ações de Ulisses. Oferece uma visão alternativa. A mente alerta é tudo.
Que autor nos dá as melhores lições de liderança?
Upadhyaya – Entre os escritores, Shakespeare é o principal. É um mestre na psicologia humana em todas as suas facetas, da ganância ao auto-engano. Eu foco o curso em suas tragédias, porque elas captam o arquétipo do fracasso de forma mais completa. Os heróis das tragédias de Shakespeare, como Macbeth, Hamlet, Otelo, Lear e Ricardo II, cobrem todos os aspectos do fracasso das lideranças. Macbeth é, em sua essência, o líder empresarial que tem uma falsa noção de ser invencível.
Um autor que explorasse mais o lado positivo da liderança não seria mais estimulante?
Upadhyaya – Hoje, a maior parte das pesquisas e dos livros sobre liderança explora o conceito do bom líder. O viés positivo domina toda a teoria. Mas também é possível aprender muito com os fracassos dos grandes líderes, o lado escuro da liderança. O que dá a medida do sucesso de um líder não é o fato de ele ter chegado ao topo, mas o de se manter no topo. A velocidade da mudança é tão grande que só se manter no topo já é um tremendo desafio. De acordo com as pesquisas, porém, a maioria dos líderes não está preparada para lidar com o sucesso.
Que outros autores podem nos dar boas lições de liderança? Por quê?
Upadhyaya – Além de Homero, Valmiki e Shakespeare, os melhores para mim são Friedrich Nietzsche, Miguel de Cervantes e Francis Bacon. Todos eles nos ensinam basicamente a mesma coisa: deixe de ser homem e torne-se super-homem. Como Nietzsche afirma de forma tão eloqüente: “O homem é algo a ser superado. O que você fez para superá-lo?”. Ele deixa uma porta aberta para você tentar encontrar seu próprio caminho: “Esse é o meu caminho. Qual é o seu?”.
Quais os maiores erros cometidos pelos grandes heróis da Literatura?
Upadhyaya – Cada um deles ignorou seu lado yin. (De acordo com a filosofia chinesa, todos possuímos dois lados: um ativo e masculino, ou yang, e outro passivo e feminino, ou yin.) Os arquétipos do fracasso nos ensinam a ouvir nosso lado yin, a deixar os indivíduos crescer. Em Dom Quixote, dois pontos de vista excludentes – o idealista (Dom Quixote) e o racional (Sancho Pança, seu escudeiro) – tentam unir seus esforços. O sucesso vem com a desilusão final de ambos. Assim como Dom Quixote se mostrou incapaz de enfrentar os monstruosos moinhos de vento na obra de Cervantes, o executivo moderno sucumbe às forças da tecnologia, contra sua vontade.
O senhor conhece o brasileiro Mário de Andrade, autor de Macunaíma, “o herói sem nenhum caráter”?
Upadhyaya – Sim, já ouvi falar dessa grande figura multifacetada que foi Mário de Andrade. Acredito que foi o fundador do Modernismo no Brasil. Eu gostaria de conhecer mais sobre seu épico Macunaíma, assim como sobre seu trabalho pioneiro no campo da etnomusicologia, tanto por interesse pessoal como para ampliar a base de nossos cursos com estudos de casos do mundo inteiro.
QUEM É Nasceu em Kolkata (ex-Calcutá), na Índia, em 1964. É divorciado e tem um filho de 10 anos
ONDE ESTUDOUObteve MBA em Administração Internacional na Thunderbird School, uma das melhores faculdades americanas de Administração, com sede em Glendale, no Arizona
O QUE FAZ É professor visitante da Indian School of Business (ISB), em Hyderabad, na Índia, e da Thunderbird School, nos Estados Unidos (leia o item acima). Também é consultor e diretor da Par Excellence, empresa de desenvolvimento de executivos sediada em Mumbai (ex-Bombaim), na Índia
Fonte: Revista Época - Edição 498 - 03/12/2007
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